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Professora Conceição Mendonça |
Memórias coletivas dos tempos do Coreto
da Praça das Mercês
Por Conceição Mendonça
As lembranças aprisionadas se desprendem no giro da roda do tempo, senhor maior, numa viagem na alameda das memórias de onde afloram singulares recordações do Coreto.
Um genuíno espaço em formato circular
com cobertura, outrora construído na praça da matriz em Cajapió, com degraus
internos que serviam de bancos para abrigar a conversa entre amigos e o deleite
dos casais enamorados.
De onde emanava energia astral na forma
lúdica de se divagar, alcançando corações e mentes ao revisitar o passado
distante. Como reminiscências cálidas num reencontro de memórias cultivadas para
assim, preservar a história de nossa gente.
Ah! O Coreto!
Construído nos idos anos 60, na segunda gestão do prefeito José Lázaro de Araújo,
vulgo Lazico. Juntamente com a praça amurada que esteticamente desagradou a
muita gente, mas que parecia protegê-lo dos olhares curiosos e vigilantes de
toda a cidade.
Que bisbilhotava os mais tênues segredos
de quem só queria ser livre para brincar de viver e, brindar a vida com
entusiasmo e paixão. Eram as aspirações de jovens corações que em plena
ditadura militar, apesar de não entenderem nada de rebelião, queriam apenas
fazer sua própria revolução.
O Coreto, com suas duplas entradas, uma
de frente para o prédio da prefeitura e a outra frontal a entrada principal da
Igreja da matriz. Era um espaço excepcionalmente mágico, de onde se contemplava
o balançar ritmado das folhas das belas e imponentes palmeiras. Que antes como
sentinelas, conduziam os devotos, romeiros e visitantes em direção a fé e a
veneração à Nossa Senhora das Mercês, a padroeira deste torrão.
E como reza a lenda, desde 1876, na
então bucólica Vila de Cajapió é a guardiã zelosa que vela pelo sono dos filhos
seus. Como certa vez escreveu o poeta e compositor Antônio Fernandes (Punha) na
canção “Chão de Mercês”:
Povo de Deus minha aldeia
Palmares das bailarinas
Viva os heróis anciãos
Viva o meu chão de Mercês
Este espaço singular, testemunhou na
década de 70 acontecimentos relevantes para a cidade. Como a instalação na
praça da matriz de um teleposto com TV, construído em frente á uma das entradas do mesmo que ficava de frente para a prefeitura
na primeira administração do prefeito Denizard Almeida.
E o mesmo logo se transformou no
principal entretenimento local. Onde as pessoas se reuniam todas as noites para
assistir principalmente as novelas da época como Cavalo de Aço e O Semideus. E
também o programa Telecatch, tendo como protagonista principal Ted Boy Marino.
Era transmitido nas noite de sábados e a propaganda ficava a cargo de Zeca de
Lulu que anunciava pelas ruas: “Hoje vai ter Telecatch”. E conforme lembranças
da época partilhadas por Benedito
Militão, o responsável em ligar e desligar a TV era João Teixeira.
Nessa época não havia ainda luz elétrica
e a energia que abastecia parte da sede do município vinha do gerador da
prefeitura que ficava na oficina de Seu Ribamar Coxo. O gerador com raras
exceções era desligado ás 22h, após um sinal dado que era conhecido pelos
moradores. Ou seja, a luz piscava três vezes como aviso para quem estivesse em
casa acendesse suas lamparinas e candieiros. E aqueles que estivessem na rua
retornasse as suas casas ou desfrutassem da luz natural da lua quando
disponível.
No inicio da década de 80, o Coreto era
o local de encontro entre amigos, regado
a bebidas da época que a pouca grana da galera podia comprar como: fogo
mineiro, conhaque de alcatrão são joão da barra, caldesano, vinho são braz,
pitú e claro a legitima cachaça da terra de Orlando Froes.
Este lugar, guardava as memórias do
tempo em que a praça da matriz era o ponto central dos eventos da cidade, como
os festejos juninos, das Mercês e o carnaval. E em volta ou dentro do Coreto os
casais de namorados se encontravam, quando os abraços nos encontros e despedias
eram arrebatados pela fugacidade da vida.
Ao longo do tempo, tornou-se um espaço de pura nostalgia romântica embalada
pelas canções Sinfonia da Mata, Sertaneja, Último Desejo, Argumento, Deusa da
Minha Rua e Lembranças na voz de Chico do Fomento. E pela melodia do violão de
Colatino cantando Não Chores Mais e A Rita com o frescor e os sonhos da juventude.
O Coreto, foi testemunha de inúmeros
festejos em homenagem á Nossa Senhora das Mercês, quando a praça da matriz
ganhava ares das ágoras da Grécia Antiga, transformando-se num centro religioso
para a celebração litúrgica da missa campal sobre o zelo de Dona Luzanira,
Maria Arcângela e tantas outras.
De longe avistava-se os adornos das
flores do altar em volta da imagem da santa como quimeras em perfeita harmonia
com as toalhas de renda branca que tremulavam ao vento numa sincronia
celestial. E a voz suprema de Antônia Corvelo entoando os cânticos marianos,
acolhia os devotos que vinham dos povoados, cidades vizinhas e da capital numa
verdadeira romaria de fé e devoção. E em busca de novas bênçãos e agradecer ás
graças recebidas pelas promessas feitas á santa milagrosa, Nossa Senhora das
Mercês.
Do Coreto, era prazeroso observar a praça decorada com bandeirinhas coloridas em
conformidade com as cores do andor que saia
em procissão pelas ruas da cidade no final da tarde do último dia da festa,
24 de setembro para alegrar a realidade nua e crua da vida difícil do povo
trabalhador.
Também avistava-se desse privilegiado
espaço, em volta da praça amurada, as barracas que abrigavam os romeiros e
visitantes do sol escaldante das manhãs ensolaradas de setembro. E serviam de local
para reencontros repletos de saudades e lembranças entre os filhos e filhas que
partiram e retornavam ao seu lugar de origem.
Durante os festejos, o Coreto se
transformava em espaço para apresentação das bandas de música de sopro. E sobre
isso, Arnold Soares compartilha suas lembranças: “eu era criança e morava no
povoado Bom Jardim e sempre no dia 23 de setembro vinha com meus pais e minha
irmã para os festejos das Mercês. E lembro da bandinha de sopro dentro do
coreto tocando e animando a festa. Também era o tempo em que tirávamos
fotografias de monóculo para guardar como recordação da festa. Recordo-me
também do grande leilão. Tempos bons”.
E segundo Antônio Mendonça a banda era
de Bacurituba de Coló Mendonça, Anacleto, Zé Braúlio e outros para animar o
largo da igreja ao longo do dia. E João Pinheiro era o leiloeiro oficial da
festa.
De dentro do Coreto, o leiloeiro conduzia
o leilão que era bastante concorrido com muitos prêmios que movimentava economicamente e abrilhantava o
festejo da padroeira Nossa Senhora das Mercês no dia 24 de setembro. E de onde
era anunciado a vencedora do concurso de bonecas da festa.
Por fim, as memórias dos tempos do Coreto
estão enraizadas nas mentes e corações de quem viveu essa época. Compartilhando
experiências, momentos de alegrias e histórias que ficaram para a posteridade,
como esta relembrada por José Reinaldo Serrão: Mário de Seu Mano, conhecido
como Gaola (já falecido). Uma certa noite dormiu no banco do Coreto e quando
acordou foi surpreendido pelo grito horripilante de uma coruja, popularmente
chamada de rasga mortalha. Apavorado, Gaola gritou: “o bicho quer me comer
mamãe!”
[1]
Elemento
urbanístico que teve grande importância até o fim da década de 1960. Sua
arquitetura básica é composta de planta circular, elevado em alvenaria e com
cobertura. Alguns estudiosos apontam que o Coreto nasceu na China e foi trazido
para a Europa na época das Cruzadas Outros sugerem que ele surgiu com os
movimentos liberais europeus no século XIX, como forma de democratização de
espaços para oradores e apresentações musicais, onde a população pobre poderia
assistir, por isso o formato redondo.
² Conceição Mendonça é natural de Cajapió -MA. Professora da rede
pública de São Luís. Graduada em Ciências da Religião, Filosofia e Pedagogia. E
membro da atual Diretoria Executiva da SCAC – Sociedade dos Conterrâneos e
Amigos de Cajapió exercendo o cargo de 1ª Secretária
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Igreja de Nossa Senhora das Mercês |
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