Há 12 anos, o Maranhão acompanha o desenrolar de uma das mais bem sucedidas lutas de comunidades descendentes de escravos pelo direito à posse das terras que eram de seus antepassados – a do Quilombo de Frechal, no município de Mirinzal. Primeiro do país a conquistar definitivamente a propriedade coletiva, em 1995, Frechal é hoje um marco, onde as famílias dividem o título da terra e têm a chance de viver a liberdade, após séculos de exploração.
Genuína “Terra de Pretos”, que sempre esteve ligada ao processo de escravidão no Maranhão – o qual concentrava metade da população escrava durante o Império e hoje só perde em população negra para a Bahia e o Rio de Janeiro -, Frechal enfrentou com tenacidade e persistência um conflito de mais de 20 anos pela posse do que já era seu. Nesse tempo todo, além de continuar lutando pela sobrevivência, também precisou aprender a se organizar e, principalmente, a se reconhecer como descendente de escravos.
Os moradores de Frechal superaram essa fase e também agressões como o desmatamento – que sumiu com o buriti, a juçara e o babaçu, todos matérias-primas essenciais para a comunidade – e o isolamento dos riachos com arame farpado. Contra essa nova escravidão é que eles se levantaram e sua grande arma nessa luta foi a construção de uma identidade coletiva da comunidade.
É essa história que é recuperada pelo antropólogo italiano Roberto Malighetti, da Universidade de Milão, em seu livro “O Quilombo de Frechal”, que será lançado hoje (27/6) na Câmara dos Deputados, em Brasília, numa iniciativa das Frentes Parlamentares Pela Igualdade Racial e Em Defesa dos Quilombolas, as quais integro.
Malighetti, que chegou a morar em Frechal para elaborar o trabalho, destaca especialmente a importância da conquista da titularidade da terra para esse povo, via um dispositivo constitucional que reconhece aos descendentes de antigos quilombolas no Brasil a posse das áreas em que vivem e trabalham. Para ele, isso transformou a comunidade de objeto de discriminação e racismo em sujeito etnopolítico. A experiência da escravidão, concluiu, ao final, mudou de elemento de vergonha para fator de orgulho e sinal de um passado a reivindicar, influenciando fortemente na obtenção da titularidade da terra.
Mas seu livro não é apenas um estudo particularizado que se dedica a descobrir uma forma de identidade coletiva numa comunidade em luta. É também, conforme destaca no prefácio o professor Ugo Fabietti, da Universidade de Milão, um exemplo de como a antropologia está em condições de abordar problemas de interesse amplo e global, e de voltar-se a um público muito além dos especialistas.
Coincidentemente, amanhã (28/6) será lançada em São Luis – e dia 29 em Itapecuru-Mirim e 30 em Vargem Grande – outra obra que não nos deixa esquecer dos quilombolas do Maranhão. A professora Ana Socorro, do Departamento de Artes da Universidade Federal do Maranhão, traz até nós o livro “Tambores do Piqui, Cartas de Liberdade: Memórias e Trajetória da Comunidade Piqui da Rampa”. É o registro de mais uma história de luta, dessa vez no município de Vargem Grande, onde as famílias de negros tiveram as terras doadas pelo padre Antônio Fernandes Pereira em 1º de maio de 1817, por meio da famosa Carta de Liberdade.
Ambos os livros são memórias da resistência, testemunhos essenciais das forças que forjaram os maranhenses que somos hoje. E que, justo por isso, além de serem parte obrigatória de nossa memória, também precisam ser preservadas para a das gerações futuras.
O deputado federal Flávio Dino escreve para o Jornal Pequeno às quartas-feiras.
CHAMINÉ 


ENGENHOCA

CASARÃO DOS GRANDES FAZENDEIRO