A denúncia sobre um esquema de laranjas que movimenta R$ 30 milhões, dinheiro público, em cidades pobres do interior do Maranhão foi o que levou os jornalistas da TV Globo a serem ameaçados e assaltados. São contratos municipais nas mãos de empresas suspeitas, muitas delas não têm sede, e nem capacidade de prestar o serviço. Mais uma vez, quem paga a conta é o cidadão comum. E o sofrimento começa na mais básica das necessidades.
“Quando eu acordo de manhã, venho para essa ponta de mato aqui fazer necessidade, xixi. Tudo pra cá”, conta a lavradora Maria Santana.
A vizinha dela teve mais sorte, aparentemente. Dona Maria mostra o banheiro construído pela Prefeitura há menos de dois anos. A pia é de plástico. “Um parafuso aqui, outro aqui. Isso aqui, qualquer coisinha quebra tudo. Nada presta aqui”, ela diz.
Mata Roma e Anapurus são cidades pequenas, cada uma com pouco menos de 16 mil habitantes. Moradores da Zona Rural sofrem com a falta de saneamento básico.
A lavradora Cristiane Teixeira nunca usou um banheiro. “Tenho 21 anos, nasci aqui e nunca usei. Nunca tomei banho de banheiro”.
Dorival Mendes Nascimento, lavrador, mora há 40 anos na região e nunca teve água em um chuveiro: “Tem que tirar água do meu poço, e agora chegou esse poço”.
Mas, para os moradores, o poço ainda não chegou de vez. “Eles apareceram para fazer esse poço, final de maio, agora de 2014. Só fizeram furar”, diz Cristiane Teixeira dos Santos, lavradora.
Nos dois municípios, essas obras são feitas com dinheiro público. Empresas negociaram nas duas cidades contratos que, somados, chegam a R$ 30 milhões.
Em Mata Roma, a construtora Santa Margarida recebeu, só em 2012, mais de R$ 2,2 milhões para abastecimento e saneamento. A proprietária é Rejânia Maria Pinheiro dos Santos. Ela se recusou a falar com o Fantástico.
Em uma rede social, Rejânia aparece em uma foto abraçando José Ári, irmão de criação dela. No papel, José Ári é dono de outra construtora, a São Lourenço, que presta serviço ao mesmo município. Também no papel, a São Lourenço é capaz de fazer perfuração e construção de poços de água.
Mas veja o que José Ári responde quando o repórter Eduardo Faustini pergunta pela empresa.
José Ári: Que empresa?
Faustini: A sua empresa, que você presta serviço.
José: Eu?
Faustini: É.
José: Eu não. Não é eu, não.
Faustini: Você não tem empresa?
José: Não.
Faustini: A sua empresa, que você presta serviço.
José: Eu?
Faustini: É.
José: Eu não. Não é eu, não.
Faustini: Você não tem empresa?
José: Não.
Em seguida, ele dá outra explicação: “Eu saí há uns três meses”.
Técnicos da Controladoria-Geral da União fiscalizaram as obras feitas com dinheiro público no município. Segundo o relatório da CGU, a construtora São Lourenço, de José Ári, não está apta a executar obras ou serviço de engenharia.
Outro esquema é no aluguel de veículos para a mesma prefeitura. Segundo a CGU, as locadoras Matarromense e Abiviagens receberam, em apenas um ano, R$ 537 mil pelo serviço de transporte escolar.
No papel, Valdecy Garreto Silva é o dono da Matarromense, uma das maiores locadoras da região. A empresa também tem contratos em Anapurus.
Faustini: O senhor é o único dono dessa empresa?
Valdecy: Não, é um irmão meu que… Eu tenho um irmão meu. É só no meu nome, ela, mas ele que resolve tudo aí.
Faustini: Quanto o senhor ganha nessa empresa?
Valdecy: Eu não sei nada.
Valdecy: Não, é um irmão meu que… Eu tenho um irmão meu. É só no meu nome, ela, mas ele que resolve tudo aí.
Faustini: Quanto o senhor ganha nessa empresa?
Valdecy: Eu não sei nada.
Josivan, irmão de Valdecy, foi vereador em Mata Roma e tem mais empresas de locação de veículos. Na rua que consta como endereço no registro da Matarromense, não existe empresa nenhuma, e nem casa com a numeração fornecida à junta comercial. Josivan não foi encontrado pelo Fantástico.
A outra locadora que atende à Prefeitura de Mata Roma se chama Abiviagens. Segundo a CGU, os pagamentos à empresa, de R$ 537 mil, não poderiam ter sido feitos devido a várias irregularidades. Na sede da Abiviagens, encontramos Elânia Araújo de Almeida. Ela é funcionária da Prefeitura de Mata Roma desde 2006. Mesmo assim, foi sócia do marido, Abimael Reis, quando a Abiviagens já tinha conseguido o contrato municipal.
Faustini: Você é sócia da empresa.
Elânia: Não.
Faustini: No contrato, você não está?
Elânia: Não, eu saí.
Faustini: Você passou as suas cotas pra quem?
Elânia: Foi… É outra pessoa. Parece que a filha dele.
Elânia: Não.
Faustini: No contrato, você não está?
Elânia: Não, eu saí.
Faustini: Você passou as suas cotas pra quem?
Elânia: Foi… É outra pessoa. Parece que a filha dele.
Procurado pelo Fantástico, Abimael Reis não quis falar.
São muitos os laranjas nessa história. Mas encontramos ainda mais irregularidades.
Em Anapurus, onde a população se queixa da falta de saneamento básico, o mestre de obras que fiscaliza a construção dos banheiros diz que recebe o salário em dinheiro vivo, diretamente das mãos do secretário de Infraestrutura, Júlio Neto. “Eu recebo pelo Júlio Neto. É dinheiro “em peça” mesmo. O patrão passa o dinheiro pra mim, pago meus trabalhadores. E é assim”, ele conta.
O secretário de Infraestrutura de Anaparus – MA, Júlio Neto, nega a irregularidade nos pagamentos: “Ele recebe da construtora, viu? Agora, eu vou fiscalizar. Eu tenho que fazer a minha parte como secretário”.
Ainda em Anapurus, a empresa Premier tem R$ 3 milhões em contratos para construção e manutenção de estradas e ruas. No papel, o dono é Javé Ferreira da Costa Lima. Só que ele é operário concursado da empresa de águas do estado.
Faustini: Só um minuto. Eu quero falar sobre a sua empresa. Por que você não pode falar?
Javé: Não quero falar.
Faustini: Só um instante.
Javé: Dá licença!
Faustini: eu preciso falar contigo
Javé: Não tenho nada para falar
Faustini: Eu quero falar sobre a sua empresa que presta serviço para a Prefeitura de Mata Roma.
Javé: Não quero falar.
Faustini: Só um instante.
Javé: Dá licença!
Faustini: eu preciso falar contigo
Javé: Não tenho nada para falar
Faustini: Eu quero falar sobre a sua empresa que presta serviço para a Prefeitura de Mata Roma.
Procurada pelo Fantástico, a prefeita de Mata Roma, Carmen Neto, não foi encontrada nem retornou recado que nossa equipe deixou na Câmara de Vereadores.
Já o advogado da prefeita Tina Monteles, de Anapurus, diz que ela não cometeu irregularidades: “Nós temos todos os processos licitatórios na maior transparência. Todas as obras estão lá”, afirma.
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